Canhotinha no Projeto Gerson, no Caio Martins, em Niterói: força à garotada (Foto: Márcio Mará)
Foi assim com a camisa do Brasil, do Flamengo, do Botafogo, do São Paulo, do Fluminense. E como comentarista, seja na TV ou no rádio, a língua seguiu a perfeição da batida da chuteira na bola. Tanto que o Canhotinha de Ouro é ele, e será para sempre ele. Mas nada foi por acaso. Hoje com 75 anos, Gerson foi de um tempo em que jogador ficava no campo se aprimorando após os treinos. Também, pudera: gostava mais de lançar do que de fazer gols.
- Eu pegava uma baliza de salto de atletismo. Botava na meia-lua da grande área. Ficava na outra intermediária e tinha que meter a bola lá. Era difícil, mas eu conseguia. Ficava sempre depois do treino. Umas duas horas ali. Aquilo pra mim era distração. Meio metro pra lá, meio metro pra cá, eu estava dentro do contexto. Deu certo - disse o eterno ídolo em entrevista ao GloboEsporte.com no último sábado, durante as finais do Projeto Gerson, que organiza há 17 anos para ajudar e revelar 1.200 garotos de comunidades carentes , no estádio Caio Martins, em Niterói.
Desde os tempos de jogador, era ele o "Papagaio", o mais falante. Não à toa, transforma entrevistas em divertidas resenhas. Sempre sincero nas opiniões. Sempre polêmico. Medo, só mesmo de avião. Medo não, pânico, pavor. Mas fugir da dividida? Jamais. Arrependimento? Nenhum. Nem da entrada violenta na qual fraturou a perna do peruano De La Torre, que levou o troco do Canhotinha num Brasil x Peru em 1969, no Maracanã, depois de ter batido à vera na primeira partida, em Lima. De La Torre nunca mais foi o mesmo.
- Com o De La Torre, a bronca foi lá no Peru. Tudo começou lá. Ele me deu uma pancada sem bola e eu não consegui deixar lá. E aí, quando tive a oportunidade, foi aqui no Maracanã. E ele deu azar. Pronto, acabou. Azar foi dele dessa vez. Foi pior que o meu azar. Ele era (violento). E eu também tive que entrar.
Gerson (segundo agachado da esquerda para a direita) no dream team da Seleção tricampeã em 1970: reunião de craques e gênios. Para o Canhot, foi a melhor seleção de todas em conjunto (Foto: Divulgação / Site Oficial CBF)
Do tempo também em que jogador fumava, confessou levar cigarro e isqueiro no meião para fumar no túnel antes da entrada em campo. Sem o vício há mais de 30 anos, continua magrinho, mas por conta de problemas na coluna e da idade não pode mais bater uma bolinha. E por falar em cigarro, ele fala sobre a velha discussão da polêmica frase na propaganda do Vila Rica nos anos 1970 - "Gosto de levar vantagem em tudo, certo?" A frase virou "A Lei de Gerson", que virou sinônimo de "pernada nos outros", como ele mesmo definiu. Gerson não pipoca e dá um recado para os políticos. Manda, canhota:
- Uns idiotas colocaram isso, que se você está numa fila e o cara entrou aqui "oh, levou vantagem. É a lei do Gerson". Lei do cacete, porra. Não tenho nada com isso aí. Não gosto dessa política safada que eles fazem aí. Mas tô bancando tudo isso porque sai do meu bolso também. Do nosso. Então, quem é que está levando vantagem? (Assista ao vídeo acima)
Eufórico, Gerson balança camisa em jogo do Vasco contra o Ceará (Foto: Wagner Menezes / Rádio Tupi)
Gerson de Oliveira Nunes é assim. Capaz de tirar a camisa e agitar numa cabine de rádio para torcer pelo Vasco na volta à Série A, chorou ao lembrar a morte do amigo Carlos Alberto Torres, o "Capita" do tri. Esclareceu o mal-entendido com Pelé sobre a concessão de sua imagem para o filme "Pelé Eterno". Garantiu ter feito as pazes com o Rei e com Flávio Costa, falecido técnico do Flamengo, com quem teve desentendimento após a partida em que lhe fora dada a missão de marcar Garrincha - segundo o treinador, mal cumprida - e lhe custou, mais tarde, a saída do clube, onde curiosamente acha, por sinal, que viveu o seu auge.
Leia também: Gerson celebra 17 anos do seu projeto com festa da bola no Caio Martins
No Flu, time de coração, foi campeão carioca em 1973: último título (Foto: Site Fluminense)
De coração dividido entre Fluminense e Botafogo, listou os jogadores com quem gostaria de ter jogado. Tem Zizinho, Jair Rosa Pinto, Zico e Romário na lista para jogar no seu time... Que certamente não conta com Dunga. Neymar, na Seleção de 70, só no banco. Aliás, melhores seleções, para ele, são a de 58 (em talentos individuais) e a do tricampeonato, em conjunto. Aliás, uma das coisas que mais o irritam são as comparações do futebol praticado hoje e o de sua época, chamado pelas gerações mais jovens de "futebol a vapor", mais lento, a ponto de acharem que no século 21 ele, Gerson, jamais conseguiria fazer lançamentos ou Garrincha driblar sempre para o mesmo lado.
- Isso me irrita porque pega pelo lado físico, não pelo lado técnico. Naquela época, a velocidade era aquela (...). Sobre o Garrincha eu nem discuto. Se eu estou numa mesa e o cara fala isso, eu levanto e vou embora. Aí eu vou dizer: "Eu não estou aqui pra escutar idiotice." Vou embora.
Como diria o saudoso locutor Jorge Cury, ícone do rádio ao lado de Waldyr Amaral dos anos 1950 aos 1980, "dáaa-lhe, garoooto! Dáaa-lhe, Canhooota"!
Confira a entrevista completa:
Teve uma época que você ficou chateado com o Pelé. Como está isso hoje?
Aquilo foi um mal-entendido. Não foi dele. Foi um mal-entendido do assessor dele. O assessor dele ligou, disse que tinha um projeto assim, assim, assim. "Pelé pediu para falar com você" e tal. Eu disse: "Tá bem, sem problema." Ele disse que ia mandar uma autorização, eu disse que não precisava. Que estava autorizado. Acha que eu sou idiota de não querer participar do filme do Pelé? Sou tão burro assim? Mas aí ele disse "Ah". Esse "ah" é uma vírgula, né? "E ele mandou te oferecer mil e quinhentos dólares." Aí, pô, cagou tudo. Eu falei: "Então você diz pra ele pra pegar os mil e quinhentos, o filme dele, e enfiar tudo. E não está autorizado." Aí fez lá o filme e tal. Aparece o lançamento. Não o lançamento, aparece a bola. Falei lá na rádio: "Olha, vai ver o filme. Quando acender a luz, pergunta lá como é que a bola chegou no peito dele. O lançador foi tão rápido que o câmera não pegou ele."
Aí depois ele me ligou pra outra coisa. Minha mulher atendeu: "Quem está falando?" Ele disse: "Queria falar com Gerson. Aqui é o Edson de Nova Iorque." Peguei o telefone e disse: "Alô". Ele: "Ô, papagaio". Eu falei: "Ô crioulo, como é que é, negão?". A gente se trata assim. "Papagaio, qual é o problema?". Eu falei: "O problema foi isso, isso, isso...". Ele: "Esse idiota... não mandei falar nada disso. Você acha que eu falaria um negócio desse pra você?". Ele ainda falou: "Você fez bem". Eu disse: "Pode usar e não precisa da minha autorização." Aí falou: "Valeu, então. Vamos encontrar e tal." Eu falei: "Da próxima vez você liga pra mim, não manda assessor. Ah, para com isso." Isso acarreta nessas histórias todas aí. Falou que eu vou entrar no próximo. Então tá bom. (assista ao vídeo acima)
Do pessoal de 1970, vocês são amigos ainda. Falam-se de alguma forma? O que ficou daquilo?
Ficou a amizade. De vez em quando a gente se encontra em festa. A CBF de vez em quando junta todo mundo. Mas eu acho que todo ano tinham que juntar a gente porque vira e mexe a gente perde um. É uma tristeza absoluta. A gente se encontra no necrotério. Pô, isso não é lugar para se encontrar e reviver uma porção de coisas boas. Sou a favor de encontrar todo ano.
A morte do Carlos Alberto foi um baque muito grande, né?
Pois é, você vê. Eu tinha marcado um almoço com ele pra depois das eleições, campeonatos e tal, pra gente conversar (neste momento Gerson chora, emocionado). A gente se encontra pra isso, pra chorar. Mas isso é o fim do mundo. A gente tem que se reunir alegre. Ele estava bem, eu nunca soube de nada. Nos encontramos, ele estava com uma bengala. Estava com um problema no joelho. Queria operar e tal. E de repente ele morre do coração. Eu nunca soube disso.
Gerson quando jogava no Fla. Para ele, o auge (Foto: Divulgação/Site Oficial do Flamengo)
Recentemente tivemos essa tragédia da Chapecoense. Muito se falou durante a sua carreira do seu medo de avião. E de que até abriu mão de ser treinador em função disso. É verdade?
Quando a gente é jovem, tá querendo aparecer e tal, era festa. A gente queria mais era viajar. Quando subi para o profissional do Flamengo, a velharia já não queria mais viajar. E a gente queria. Aí depois, no decorrer da profissão, casa, tem filho, a coisa começa a complicar porque a responsabilidade é outra. Eu sempre tive medo de avião, mas tinha que viajar. Depois de um certo tempo. Nunca levei susto em avião, de vez em quando um balanço, um negócio desse. Eu parei de jogar, ainda viajei pela Rádio Globo, pela Tupi, mas parei. Eu não tenho medo. Eu tenho pavor, está um pouco mais acima.
Tinha que tomar remédio mesmo antes de pegar um voo?
Eu tomava sim, pra ficar mais relaxado. Eu não bebo, então não adiantava beber, senão eu ia passar mal duas vezes. E pesou sim pra não ser treinador. Isso pesa.
E por que decidiu não seguir a carreira de treinador?
Teve isso (do medo de avião), mas também para não aturar certos dirigentes e jogadores. E eu sempre pensei em ser radialista. Até me chamaram para ser treinador, eu fiz um pouco na base do Botafogo com o Nilton Santos, coisa de um ano e pouco. Mas não era o meu negócio. Eu sempre pensei que o que eu aprendi dentro de campo queria passar pra quem está do lado de fora. Acho que deu certo, tanto que estou aí até hoje.
Uma polêmica que te marcou foi o anúncio do cigarro Vila Rica, de que era bom levar vantagem em tudo. A frase acabou deturpada. O que acha disso e da criada Lei de Gerson?
Gerson fez propaganda para o cigarro Vila Rica na década de 1970 que gerou polêmica (Foto: Reprodução)
Aquilo ali foi o seguinte. Eu fiz uma propaganda. Fui um artista ali, como tantos outros que estavam ali. Foi um filme. Como eu fumava... nós pegamos 5 a 10% do mercado daquela época. E a ideia foi essa, a de levar vantagem em tudo porque esse cigarro era mais barato que os outros. Todo cigarro é igual, não é? Mas esse aqui é melhor porque é mais barato. Eu tô fazendo propaganda para quem fuma, não é pra quem não fuma, naturalmente. Aí eles pegaram essa vantagem como se fosse pernada nos outros, passar os outros para trás.
Quer dizer: idiota tem em tudo que é lugar. Pegaram isso e me carimbaram com isso aí. A minha vida foi num campo de futebol com 180 mil. Mas uns idiotas colocaram isso, que se você está numa fila e o cara entrou aqui "oh, levou vantagem. É a lei do Gerson". Lei do cacete, porra. Não tenho nada com isso aí. Não gosto dessa política safada que eles fazem aí. Mas tô bancando tudo isso porque sai do meu bolso também. Do nosso. Então quem é que está levando vantagem? Eu passo por cima, está tudo certo. Quem me conhece sabe quem eu sou e acabou. O resto não importa mais. Já importou, hoje não.
Gerson dá entrevista como jogador da Seleção com um cigarro na mão (Foto: Arquivo / Esporte Espetacular)
A história de que chegava a entrar em campo com o maço de cigarro no meião é verdadeira?
Maço, não. Mas cigarro e isqueiro já entrei porque vinha fumando no túnel. Parei de fumar depois que parei de jogar.
Você sempre foi magro e, aos 75, continua sendo. Como faz para manter a forma?
Faço um regimezinho. Não bebo. Fumava, mas parei faz uns trinta e tantos anos. Aí vou conservando e pronto.
Ainda bate uma bolinha?
Não jogo mais. Eu operei a coluna tem uns 15 anos. Joguei até uns 60.
Arrepende-se de alguma coisa?
Não, de nada.
E a entrada no De La Torre? (Brasil e Peru fizeram duas partidas, e na de volta, no Maracanã, Gerson deu o troco no jogador peruano, que na primeira foi extremamente violento. De La Torre fraturou a perna e nunca mais voltou o mesmo)
O De la Torre a bronca foi lá no Peru. Tudo começou lá. Ele me deu uma pancada sem bola e eu não consegui deixar lá. E aí, quando tive a oportunidade, foi aqui no Maracanã. E ele deu azar. Pronto, acabou. Azar foi dele desta vez. Foi pior que o meu azar. Ele era (violento). E eu também tive que entrar. (assista ao vídeo acima)
E a polêmica com o Flávio Costa? (na decisão do Carioca de 1962, o técnico pediu para Gerson ajudar Jordan a marcar Garrincha. Flávio reclamou que ele não cumpriu a determinação da forma como queria. O Botafogo venceu por 3 a 0, com dois gols do Mané. A relação do técnico com o Canhotinha ficou ruim e, no ano seguinte, o meia acabou negociado com o Botafogo)
Fui João do Mané. O que vou fazer? Aí começou a discussão. Porque o Nelsinho marcava mais do que eu. Eu nunca fui inimigo dele e não deixei de falar com ele. É que a gente não se encontrava. O dia que a gente foi se encontrar eu estava com o Válter Miraglia. Encontramos na CBF. O Válter me chamou, eu fui lá, abracei ele, beijei ele, sem problema nenhum. Aprendi muito com ele. A gente teve uma desavença, mas isso é coisa de dentro das quatro linhas. Fora de campo não tem problema nenhum.
Nunca mais vai ter uma seleção como a de 1970?
Acho que não. Pra mim, a melhor seleção foi a de 1958. Tecnicamente falando. E de conjunto foi a de 1970.
Quem depois da Copa de 1970 poderia ter vaga naquela seleção?
- O Tostão falou que daria lugar para o Romário. Eu disse pra ele: "Tá perdido, porque eu ia lançar pro Romário (risos)." Eu não abro mão. Tivemos bons jogadores. Dirceu Lopes, Ademir da Guia, Adílio, Zico, Falcão, Romário... (Pra ser titular) Dependeria do treinador também
O Neymar naquela Seleção se encaixaria em qual função?
Naquela seleção ele não entrava. No banco podia. Mas ia jogar no lugar de quem? Do Pelé? Do Tostão? Do Rivellino?
Quando comenta os jogos na rádio, te irrita muito ver os erros de passe?
Não me irrita porque a gente tem que dividir bem as coisas. Agora, eu falo que tá errado, tá certo, não é assim, poderia ser assim. Tem jogo que eu não gostaria de estar para ver aquilo. Porque o futebol brasileiro tá ruim. Falo tecnicamente, porque fisicamente os caras correm três dias. A tecnologia mudou tudo. Na minha época você tirava sangue para saber se estava com alguma infecção e hoje você tira uma gotinha do lóbulo, você sabe pra frente e pra trás do cara, DNA todo. Agora você imagina com a tecnologia de hoje pegar aqueles caras do passado. Esses de hoje não levariam o material sujo de treino nosso.
Mas o pessoal da nova geração diz que naquela época você tinha tempo de matar a bola, de fazer o lançamento. Isso te irrita?
Me irrita porque ele pega pelo lado físico, não pelo lado técnico. Naquela época, a velocidade era aquela. Por exemplo: o Claudio Coutinho (preparador físico de 1970 que depois se tornou técnico do Flamengo e montou o time campeão do mundo em 1981) saiu daqui e foi para os Estados Unidos pegar testes de cooper, que naquela época eram os testes dos astronautas. Ele trouxe pra cá e nós fizemos. Quer dizer, era o top. Não tinha melhor. O Brito (zagueiro tricampeão) foi considerado na Copa de 70 o jogador com melhor preparo físico. Se fosse hoje a preparação seria outra.
É a mesma linha de raciocínio sobre o Garrincha driblar sempre pro mesmo lado, que hoje ele não conseguiria...
Isso eu nem discuto. Me irrita. Se eu estou numa mesa e o cara fala isso, eu levanto e vou embora. Aí eu vou dizer: eu não estou aqui pra escutar idiotice. Vou embora.
Camisa do Projeto Gerson, que cuida de 1.200 crianças e jovens em Niterói (Fotos: Bernardo Pombo, Cauê Rademaker e Márcio Mará)
Estaria rico jogando bola hoje?
Tudo tem época. Quanto valeria aquela seleção de 70? Estaria alguém aqui? Eu não tenho a mínima ideia.
Como surgiu a história de tirar camisa na cabine?
Foram em jogos do Botafogo e do Vasco. Embora não seja Vasco, eu estava torcendo. Nesses jogos eu fui lá para torcer e para trabalhar. Normalmente eu vou para trabalhar.
Acha que teria sido um grande treinador?
Não tenho a mínima ideia. Também não sei se eu, no meio do caminho, largaria tudo. Não aguentaria diretor falando pra colocar fulano. Isso tem à beça por aí. Dirigente não pode opinar (na escalação). Por que não fica ele no lugar?
O Renato Gaúcho causou certa polêmica ao falar dos treinadores que vão para a Europa estudar. O que você acha disso?
Eu não concordo muito porque se você tem chance de conhecer outros campos e outras pessoas, outros treinamentos, outra maneira de ser, uma série de coisas... Ele acha que não precisa disso. Ele acha que se garante pelo que fez em campo. A teoria dele é que quem sabe dentro de campo, sabe fora. Mas isso é relativo. Você, para ser jornalista, você tem que ir à faculdade, onde você vai ter a teoria, mas não a prática. Tem gente que sabe mais na prática do quem cursou e traz a teoria. Você tem que dividir bem. Se puder dividir as duas coisas, ótimo. Quanto mais souber, melhor vai distribuir.
Dos treinadores de hoje, de qual gosta mais?
O Tite entrou bem na Seleção. Porque a Seleção não tinha treinador. O Dunga não é treinador. Pegaram o Dunga e por amizade colocaram ele na seleção brasileira. É a mesma coisa de você ser contratado por uma firma e o cara colocar você como presidente. Ele tinha que ter ralado um pouco antes em clube, aprendido um pouco e depois passar isso tudo, se ele tivesse essa capacidade. Não teve. Aí botaram o Tite. E o Tite era o treinador. Ele bem ou mal acertou. O padrão é outro, a conversa é outra, a ideia é outra. Os próprios jogadores falam isso. O Tite é um cara educado. O outro não, estava de mal com a vida. Para ele era um saco estar ali dando entrevista.
Acha que como jogador o Dunga foi supervalorizado?
Ele não jogou nada. Dava trombada. Era um marcador que com a bola no pé sabia até a página um. Não foi um bom jogador. Dos times de antigamente ele não passaria nem na porta.
Gerson comandou Bota em 1967-68: Canhotinha passou a torcer por Alvinegro (Foto: Arquivo)
Quem foi melhor: Ronaldo ou Romário?
Romário. E não é melhor, não. É muito melhor. Por tudo. Inteligência... Olha o tamanho dele. Eu sempre brinco com o Gilson (Gilson Ricardo, companheiro de rádio), que é baixinho. Menor que ele, só pra troco. Romário fugiu à regra. Cara de dois metros ele enrolava os caras. Os gols que ele fez foram negócio de maluco. Na Copa do Mundo (de 94) ele e o Bebeto vinham no meio do campo, pegavam a bola e faziam os gols. Não tinha meio-campo. Eu vi isso e fui falar com ele depois: "Ó, ganhamos a Copa por sua causa e do Bebeto. Sem vocês dois e principalmente sem você seria ferro. Não ganharíamos a Copa." Ele: "Não, canhota." Eu disse: "Queria ter jogado com você."
Do lado de cá da imprensa, já tomou processo, recebeu reclamações sobre críticas?
Não, processo não. De vez em quando um jogador reclama e tal, mas sem ofensa. Manda recado e eu ligo dizendo que não é nada disso, que também fui criticado. Eu estou aqui pra dizer o que eu acho. Sou pago pra isso. Já teve caso de jogador falar isso ou aquilo. Eu dizer: "Vem cá, você está com quantos anos? 28? Eu tô com 75. Isso que eu tô falando pra você eu vou botar calção e vou lá fazer. Vou fazer um pouco lento, mas vou fazer. Força eu não tenho mais, os músculos já atrofiaram, mas eu ainda penso."
Seleção Olímpica de 1960: Gerson agachado, o segundo da direita para esquerda (Foto: Divulgação / CBF)
Você acha que foi o maior lançador de todos os tempos? Como se sente quando ouve que algum cara deu um lançamento à la Gerson?
Me sinto bem. Naturalmente eu devo ter feito um bom trabalho, pra lembrarem até hoje. Eu tive bons mestres. Didi, joguei com ele, Jair Rosa Pinto, que eu não joguei, mas vi, e o Zizinho. Foram meus mestres. Me ensinaram muito e juntei com o pouco que eu já sabia. Agora, quais são os mestres dos caras de hoje? Hoje tem chute pra cima que eles acham que é lançamento. Não acho que superei os meus mestres. O Didi me deu uma camisa e disse: "Quando você achar um igual a mim, entrega pra ele." A camisa está lá em casa até hoje.
Gostava mais de lançar do que de fazer gol?
Sim, porque eu treinava pra isso. Eu não fazia aquilo de orelhada. Eu treinava.
Como treinava lançamentos?
Da seguinte maneira: eu pegava uma baliza de salto de atletismo. Botava na meia-lua da grande área. Ficava na outra intermediária e tinha que meter a bola lá. Era difícil, mas eu conseguia. Ficava sempre depois do treino. Umas duas horas alí. Aquilo pra mim era distração. Meio metro pra lá, meio metro pra cá, eu estava dentro do contexto. Deu certo.
"Sempre quis ser radialista", diz Gerson. Na foto, com José Carlos Araújo (Foto: Wagner Menezes / Rádio Tupi)
Qual o lançamento mais perfeito da carreira?
Eu dei muitos lançamentos para o Jairzinho no Botafogo. Lá em São Paulo para o Terto, que era muito veloz. Aquele pro Pelé que ele domina no peito. Aquele outro pro Jairzinho que ele deu chapéu no goleiro. (os dois últimos na Copa de 1970). Isso tudo a gente tava treinado para fazer. Eles me consagravam. Era parte de uma engrenagem.
Tirando a seleção de 1970, qual foi o melhor time que você jogou?
Em todos os times que eu joguei eu fui campeão. Comecei no Canto do Rio e fui campeão. Fui campeão no Flamengo, no Botafogo, no São Paulo e no Fluminense.
Acha que jogou mais onde?
No meu auge eu estava no Flamengo. No tricampeonato de 1958 (na verdade, o tri carioca foi em 1955, do qual ele não participara ainda). Em 59, entrei na Seleção. Em 60, Olimpíada de Roma, em 61, seleção principal. Mas em todos os times eu me dei bem.
Gerson com a camisa 10 do São Paulo, onde brilhou nos anos 1970: campeão paulista (Foto: Estadão conteúdo )
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Você encerrou a carreira no Fluminense e nunca escondeu que é o seu clube....
Eu ia encerrar a carreira em São Paulo. Mas minha filha menor tinha um problema com a temperatura. Começou com asma, uma série de coisas e eu tive que vir embora. O Botafogo foi lá, não acertou, aí eu vim para o Fluminense. Mas como torcedor de clube eu tô em cima do muro, literalmente. Eu sou Fluminense e sou botafoguense. Tricolor eu sou em tudo que é lugar do Brasil. Três cores eu tô dentro. E preto e branco eu sou só Botafogo. Então quando jogam os dois eu torço pra um e pra outro. Quem ganha eu tomo um chope.
Tem mágoa de algum clube?
Não, nenhuma. Sem bronca. Eu passei em branco nisso tudo aí, graças a Deus.
Com qual jogador gostaria de ter jogado e não jogou?
Eu gostaria de ter jogado com o Zizinho e Jair Rosa Pinto, que são os meus mestres. Com o outro eu joguei, que foi o Didi. Zico também, Reinaldo, Careca.... eles jogavam pra caramba.
Acha que se tivesse ficado no Flamengo teria sido mais ídolo ainda lá, um dos maiores da história do clube?
Talvez. E eu só saí do Flamengo por causa dessa confusão. Eu ficaria tranquilamente. Tive esse desentendimento. Não vai sair o treinador, nem o presidente. Eu tive que sair.
Gerson com a camisa do time de coração, o Flu: paixão dividida com Bota (Foto Alessandra Ferreira/GloboEsporte.com)