Há exatos 20 anos, Roberto Carlos acertava um dos chutes mais espetaculares da história. No dia 3 de junho de 1997, o ex-lateral esquerdo desafiou as leis da física e fez seu gol mais famoso na carreira, cobrando falta com muito (mas muito!) efeito para marcar pela seleção brasileira no empate por 1 a 1 com a França, em partida pela abertura do Torneio da França (leia mais sobre a competição abaixo). A batida de três dedos, que "foge" da barreira dos Bleus e faz uma curva incrível, deixa o goleiro Fabien Barthez completamente perplexo, já que a bola parecia se dirigir para a bandeira de escanteio. No entanto, ela acaba "voltando", belisca a trave esquerda do arqueiro e morre no fundo das redes, num lance histórico. ASSISTA: VEJA POR OUTRO ÂNGULO:
Duas décadas depois, Roberto Carlos diz que ainda se impressiona quando vê o vídeo do golaço. SHAUN BOTTERILL/ALLSPORT/GETTY IMAGES
![]() Roberto Carlos prepara o chute que venceria Barthez
"Para falar a verdade, nem sei como fiz aquele gol", sorri o craque, em entrevista exclusiva ao ESPN.com.br. "Foi um gol lindo, fruto de muitos anos de treinamento e trabalho duro, que me permitiram acertar aquele chute e fazer esse gol tão marcante na minha carreira", acrescentou o ex-camisa 6. Quando acertou o famoso chute, o ex-ala ainda "iniciava" sua carreira, já que estava apenas em seu segundo ano no Real Madrid, após uma curta passagem pela Inter de Milão, que havia lhe trazido do Palmeiras por US$ 8 milhões. Na Espanha, ele ganharia uma infinidade de títulos, virando ídolo e lenda - é até hoje embaixador merengue. Ao mesmo tempo, se firmava cada vez mais na seleção brasileira, pela qual disputou as Copas do Mundo de 1998, 2002 e 2006, sendo campeão na Coréia do Sul/Japão e vice na França. Roberto Carlos jogou até 2015, quando pendurou as chuteiras de vez pelo Delhi Dynamos, da Superliga da Índia. Nos 18 anos que se passaram entre o famoso gol contra os Bleus e a aposentadoria, porém, o craque revela que nunca mais tentou chutar da mesma forma, já que sabia que seria difícil reprisar o feito. TONY MARSHALL/EMPICS VIA GETTY IMAGES
![]() Roberto Carlos comemora após marcar seu golaço contra a França, em 1997
"Eu nunca mais tentei, porque sabia que não ia mais acertar (risos)", diverte-se. Apesar disso, o ex-Palmeiras e Corinthians prevê que um dia verá sua batida ser repetida por aí. "Alguém um dia fará um gol lindo parecido com o meu ainda. Pode demorar, mas vai acontecer", cravou. A ciência, porém, não tem tanta certeza disso...
O gol de Roberto Carlos em 1997 "desafiou a física" e também impressiona os cientistas até hoje. Quando o chute aconteceu, físicos de todo o mundo ficaram intrigados pelo lance, o que motivou uma série de estudos e análises sobre a aerodinâmica e a trajetória da bola no Estádio Gerland, em Lyon. Um dos mais famoso deles foi feito pelos franceses Guillaume Dupeux, Anne Le Goff, David Quéré e Christophe Clanet e publicado no jornal científico online New Journal of Physics, em setembro de 2010. Nele, os cientistas fazem uma série de experimentos e análises, chegando por fim a uma equação que "explica" o caminho que a bola percorreu e as forças que entraram naquele momento histórico. LUTZ BONGARTS/BONGARTS/GETTY IMAGES
![]() O exato momento do impacto na bola
"O caso do futebol, onde ℒ é duas vezes menor do que L, vale a pena ser comentado. A trajetória da bola pode desviar significativamente do circular, desde que o chute tenha longa distância. Desta forma, a trajetória se torna surpreendente e imprevisível para o goleiro", escreveram. "É assim que interpretamos o famoso gol do brasileiro Roberto Carlos contra a França, em 1997. A falta foi cobrada de uma distância aproximada de 35 metros, ou seja, uma distância na qual é possível esperar essa trajetória inesperada. Levando em conta que o chute também foi forte, o que era outra característica de Roberto Carlos, a trajetória da bola curva brutalmente em direção à rede, em uma velocidade ainda grande, o que surpreende o goleiro", acrescentaram os quatro cientistas, em outro trecho. Dupeux, Le Goff, Quéré e Clanet ainda destacam no estudo que, se forem feitos os cálculos corretos e usadas as mesmas distâncias e forças, o chute de Roberto Carlos pode, sim, ser repetido. Isso, no entanto, é quase impossível, na opinião de um dos mais importantes físicos do Brasil, que descreveu a curva da bola produzida pelo chute do ex-lateral da seleção como um "milagre". "Embora a física explique perfeitamente a trajetória da bola, as condições, como potência do chute, ponto do impacto do pé do Roberto Carlos na bola e distância às traves, que fizeram com que ela ocorresse são tão raras que podemos chamá-la de milagrosa", decreta o Prof. Dr. José Fernando Fontanari, professor titular do IFSC (Instituto de Física de São Carlos) da USP (Universidade de São Paulo) e membro do corpo editorial dos periódicos Physics of Life Reviews e Theory in Biosciences, em entrevista ao ESPN.com.br. Fontanari também destaca que, caso a bola não tivesse entrado no gol e parado nas redes de Fabien Barthez, ela continuaria em uma incrível trajetória de espiral, como mostra o pontilhado da arte abaixo. ESPN.COM.BR
![]() Se chute tivesse continuado, teria desenvolvido trajetória em espiral, aponta professor de física
"Não acredito que veremos algo assim novamente", afirma o professor da USP. O cientista israelense Erez Garty foi outro que teorizou sobre o chute de Roberto Carlos. Em vídeo, ele mostrou as forças que agiram na bola e deu uma lição didática sobre o famoso lance. Confira abaixo, em inglês:
A Copa das Confederações só passou a servir como "evento teste" para a Copa do Mundo na edição de 2001, quando foi realizada na Coréia do Sul/Japão (mesmas sedes do Mundial do ano seguinte). Por isso, em 1997, a França quis organizar um torneio amistoso para testar a preparação do país para a Copa. Assim, foram convidados Brasil, Inglaterra e Itália, que, junto com os anfitriões, formaram um quadrangular no qual todos se enfrentavam, e quem somasse mais pontos levaria o troféu. As sedes foram os estádio De la Beaujoire, em Nantes, De la Mosson, em Montpellier, de Gerland, em Lyon, e o Parc des Princes, em Paris. MATTHEW ASHTON/EMPICS VIA GETTY IMAGES
![]() Roberto Carlos é abraçado por Ronaldo e Mauro Silva após o golaço contra a França
A seleção, à época treinada por Zagallo, tinha como destaque a dupla "Ro-Ro", formada por Ronaldo e Romário. O time-base era: Taffarel; Cafu, Célio Silva, Aldair e Roberto Carlos; Mauro Silva, Dunga, Giovanni e Leonardo; Ronaldo e Romário. Na reserva, Djalminha, Denílson, Paulo Nunes, Zé Roberto... O Brasil começou o torneio empatando por 1 a 1 com a França (a partida em que Roberto Carlos marcou o gol). Depois, ficou novamente na igualdade contra a Itália, em um jogaço: 3 a 3, com tentos de Romário, Ronaldo e Lombardo (contra) para a seleção e Del Piero (2) e Aldair (contra) para a Azzurra. Relembre:
A última partida foi uma vitória por 1 a 0 em cima da Inglaterra, com gol do "Baixinho". No fim das contas, o Brasil somou cinco pontos e acabou com o vice, já que o English Team , que tinha nomes como Alan Shearer, Paul Scholes e o jovem David Beckham, venceu França e Itália, chegou a seis pontos e conquistou a taça. O Torneio da França serviu para montar a base da seleção brasileira que seria vice da Copa de 1998. No Mundial, Zagallo escalou o time-base com Taffarel; Cafu, Aldair, Júnior Baiano e Roberto Carlos; César Sampaio, Dunga, Rivaldo e Leonardo; Bebeto e Ronaldo. Romário acabou cortado por lesão antes da Copa.
FICHA TÉCNICA Competição: Torneio da França 1997 GOLS BRASIL: Taffarel; Cafu, Célio Silva, Aldair (Gonçalves) e Roberto Carlos; Mauro Silva, Dunga, Giovanni (Djalminha) e Leonardo; Ronaldo e Romário (Paulo Nunes) Técnico: Zagallo FRANÇA: Barthez; Candela, Blanc, Desailly (Thuram) e Lizarazu; Deschamps, Karembeu (Vieira), Ba, Zidane e Pires (Keller); Maurice Técnico: Aimé Jacquet |