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Motoboy com primo famoso e até carrasco do Palmeiras: final da várzea reúne 30 mil pessoas em SP

Fonte/Escrito por  ge.globo.com
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 Allianz Parque foi palco da decisão da Copa Pioneer, maior torneio semiprofissional do país e que pagou R$ 100 mil ao campeão MEC, da Cidade Tiradentes; teve até árbitro da Fifa

Saem o glamour da Conmebol Libertadores e as estrelas do Brasileirão para as entradas de jogadores que dividem a paixão pelo futebol com outras atividades e aqueles que tentam voltar ao profissional ou até mesmo faturar um extra após a aposentadoria. No último domingo, o Allianz Parque, casa do Palmeiras, recebeu a final da Copa Pioneer, maior torneio de várzea do país, com mais de 2.500 atletas.

Final da várzea no Allianz Parque é decidida nos pênaltis

Na decisão, o MEC, da Cidade Tiradentes, venceu o ASA, da Vila Prudente, por 10 a 9 na disputa por pênaltis depois de um empate sem gols com a bola rolando. Quase 30 mil pessoas, com ingressos distribuídos entre as duas comunidades, viram um evento que contou personagens dos mais variados. De andarilhos da bola a motoboys de aplicativos com primo famoso e até carrasco de time grande.

MEC comemora o título da "Champions League" da várzea de São Paulo — Foto: José Edgar de Matos

MEC comemora o título da "Champions League" da várzea de São Paulo — Foto: José Edgar de Matos

O andarilho da bola

Joel, um jogador profissional de 28 anos com carreira na Ásia e que disputava havia pouco tempo a Série D pela Inter de Limeira, foi o grande herói da tarde.

Ao converter pela segunda vez um pênalti na disputa contra o ASA, se encaminhou para trás do gol sul do Allianz Parque e chorou, ajoelhado. Ali, o campeonato rompia o caráter de semiamadorismo e se tornava algo representativo na tentativa de retomar a carreira.

O camisa 94 do MEC retornou ao Brasil para disputar a Série D por questões familiares. A mulher está grávida, e o casal deseja ver o filho nascer no país natal.

Joel se consagrou na várzea e sonha em retornar ao Allianz no Paulistão — Foto: José Edgar de Matos

Joel se consagrou na várzea e sonha em retornar ao Allianz no Paulistão — Foto: José Edgar de Matos

Antes de acertar com o MEC por indicação de amigos, Joel atuou profissionalmente no Vietnã, na Malásia e na Indonésia. Mas passou os dois últimos anos no Bahrein. Pela primeira vez na carreira, contudo, Joel esteve em um palco tão importante quanto o Allianz Parque

– Espero que a gente possa retornar para o Paulistão pela Inter. Profissionalmente não tinha pisado aqui. Quando vi, vim ciente que viria para fazer história. Tive a felicidade de bater dois pênaltis e converter. Está tudo bem encaminhado, espero pisar aqui novamente no Paulistão – disse.

– É um dos dias mais especiais por jogar no Allianz Parque com minha família e essa torcida. Quem mais me acompanhou no estádio foi minha esposa lá fora, mas hoje pude ter amigos e familiares, o pessoal da minha empresa. Pude viver esse momento – afirmou.

Copa Pioneer, a "Champions da Várzea", reuniu quase 30 mil pessoas no Allianz Parque — Foto: José Edgar de Matos

Copa Pioneer, a "Champions da Várzea", reuniu quase 30 mil pessoas no Allianz Parque — Foto: José Edgar de Matos

“Motinha no iFood para trampar”

Enquanto Joel tem pré-acordo para disputar o Paulistão pela Inter de Limeira, o outro lado da decisão vive outro estilo de vida. Guibson, do ASA, mora na periferia paulistana e se divide entre a várzea e o trânsito da cidade de São Paulo, como contou à depois de receber o prêmio de goleador do torneio.

– Tem que pegar motinha no iFood e trampar que temos filho pequeno, sustentar a família. A várzea ajuda muito, dá estrutura boa para trabalharmos e é isso: a luta continua. Se Deus quiser vamos chegar e trazer o caneco no ano que vem – falou o camisa 9 do time da Vila Prudente.

Guibson Oliveira, primo de Gabriel Jesus, recebe o troféu de artilheiro — Foto: José Edgar de Matos

Guibson Oliveira, primo de Gabriel Jesus, recebe o troféu de artilheiro — Foto: José Edgar de Matos

A trajetória de Guibson no futebol se assemelha a conhecidas histórias, como a do primo famoso. O artilheiro é primo de Gabriel Jesus, atacante do inglês Arsenal, mas acompanha de longe a trajetória do ex-Palmeiras que defendeu o Brasil nas duas últimas Copas do Mundo.

– Eu jogo na rua, nas favelas. Moro até hoje perto de onde ele morava (Jardim Peri), mas não sou tão próximo. Tenho relação mais com o irmão dele; inclusive ele apoiou os caras, não entendi direito. Futebol é isso, estou com meus parceiros, criamos uma família, vamos colher frutos lá para frente – comentou.

ASA terminou com o vice-campeonato da Copa Pioneer — Foto: José Edgar de Matos

ASA terminou com o vice-campeonato da Copa Pioneer — Foto: José Edgar de Matos

– Foi surreal jogar aqui (Allianz Parque). Nem tem palavra para descrever o que sentimos hoje. Com o título seria melhor ainda, mas Deus quis assim. Vamos embora, mas o que proporcionaram é uma grandeza. Só agradecer quem faz isso para a gente – concluiu

Padrão Fifa

Ninguém conhecia tanto os atalhos do Allianz Parque quanto o árbitro da partida. A organização chamou Raphael Claus para comandar a partida entre MEC x ASA.

– Eu mais joguei do que apitei na várzea. Quando tem tempo livre gosto de reencontrar os amigos. É muito bacana essa sensação – comentou o árbitro.

Entrevista no intervalo: Raphael Claus viveu "futebol raiz" na decisão — Foto: José Edgar de Matos

Entrevista no intervalo: Raphael Claus viveu "futebol raiz" na decisão — Foto: José Edgar de Matos

Em partidas profissionais, Claus sequer concederia entrevista, ainda mais no intervalo da partida, diante do protocolo encarado pelos árbitros nos torneios.

Mais "leve", ele parou, falou e sorriu, como gosta de fazer nos tempos livres com os amigos na várzea. Essa proximidade do árbitro como jogador-amador facilitou a atuação no Allianz Parque.

– A diferença é o condicionamento físico dos atletas, o jogo não tem a mesma intensidade. A qualidade técnica é boa também – enalteceu o árbitro Fifa e que saiu ileso às críticas.

Torcida do MEC saiu do Allianz Parque campeã — Foto: José Edgar de Matos

Torcida do MEC saiu do Allianz Parque campeã — Foto: José Edgar de Matos

Lembra dele?

Fora a decisão, o domingo marcou uma celebração de toda a várzea paulista. Além do jogo valendo troféu, apresentações musicais e uma disputa das estrelas trataram de entreter o público que chegava a um quente Allianz Parque, com sol e mais de 30ºC.

Na partida amistosa que reuniu celebridades como MC Daniel, MC Hariel e integrantes do Atitude 67, um nome chamava a atenção do outro lado. Na seleção dos destaques da Copa Pioneer, a camisa 9 era vestida pelo atacante Nunes.

Nunes, aos 41 anos, participou do jogo das estrelas da várzea — Foto: José Edgar de Matos

Nunes, aos 41 anos, participou do jogo das estrelas da várzea — Foto: José Edgar de Matos 

Aos 41 anos, o goleador se divide entre a reta final da carreira como profissional e os jogos na várzea. O jogador ficou conhecido também como carrasco do Palmeiras por ter comemorado o título da Copinha em 2003 pelo Santo André imitando um porco.

Nunes, aliás, foi um dos destaques da Copa Pioneer e diz que ainda terá uma trajetória longa no futebol semiprofissional.

– Minha vida toda foi na várzea. Mesmo jogando como profissional, quando tinha um tempo, ia jogar na várzea. As coisas não eram filmadas como agora, então dava para jogar mais (risos). Sou um cara que gosto de vencer, de competir, e a várzea está proporcionando isso – afirmou.

– Estou inteiro, jogando vários campeonatos na várzea em Bragança, Sorocaba e Jundiaí. Quero jogar o primeiro semestre e encerrar jogando. Sou competitivo, jogo com meu filho e quero ganhar. Quando perder essa vontade, chegou a hora de parar. Profissional só no primeiro semestre, depois vou seguir jogando na várzea – concluiu Nunes.

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