O torcedor que viu o Esporte Clube Água Santa ser campeão amador de Diadema em 2010 certamente não imaginou que comemoraria o acesso à elite do Paulistão apenas cinco anos mais tarde. Depois de estrear em competições profissionais em 2013, o Netuno, como é conhecido na cidade, alcançou um feito inédito no estado de São Paulo. Com três acessos consecutivos, jogará a primeira divisão paulista na próxima temporada.
Fundado em 1981 para disputar os campeonatos de várzea, o Água Santa se profissionalizou trinta anos mais tarde. Em 2012, preferiu disputar campeonatos de base, e começou a meteórica saga na temporada seguinte. O último obstáculo foi cumprido no último domingo, quando deixou a Série A-2 para trás. O lema do time mostra que a fé também entra em campo: "Deus não alimenta um sonho em sua mente que não possa ser realizado".
As palavras estão estampadas em um dos setores do Estádio Municipal José Batista Pereira Fernandes, conhecido como Distrital do Inamar e lotado em todos os compromissos do time de Diadema, cidade operária, do chamado "ABCD paulista", na Grande São Paulo.
Se antes a missão do Água Santa era representar o Jardim Inamar na várzea, a responsabilidade atual é de função social em uma cidade carente de lazer. Desta forma, os 6.500 lugares do campo "distrital" não comportam a demanda de torcedores. Há quem acompanhe o jogo da rua.
Treino do Água Santa no Estádio Municipal José Batista Pereira Fernandes, em Diadema (Foto: Yan Resende)
UM SÓ TREINADOR
Chamado em 2013 para treinar o Água Santa na quarta divisão, o técnico Márcio Ribeiro conseguiu algo raro no futebol nacional. O comandante permaneceu na equipe nas últimas três temporadas e agora colhe o fruto do trabalho a longo prazo. Pela primeira vez, um treinador alcança três acessos consecutivos pelo mesmo clube no estado de São Paulo: a chamada Segunda Divisão em 2013, a Série A-3 em 2014 e agora a Série A-2 em 2015. Será que vai ser mantido no cargo para a Série A-1 em 2016?
– A gente tinha o limite de cinco anos para chegar à primeira divisão. O diferencial foi o conjunto dessa equipe. O repasse financeiro que a diretoria deu foi fundamental, encontramos uma torcida apaixonada, uma cidade que precisava de lazer, e fomos felizes na montagem do elenco. Trouxemos jogadores com vontade de encarar o projeto – disse o "professor".
Técnico Marcio Ribeiro comandou o time nas Séries B, A-3, A-2 e conseguiu o acesso para a A-1 (Foto: Yan Resende)
Entre estes nomes dispostos a encarar o projeto, Francisco Alex veste a 10. O meia chegou a defender o São Paulo em 2007 e, depois disso, ainda como jogador do clube do Morumbi, ganhou experiência pelo interior do estado, emprestado a outros clubes. Encontrou amigos no Água Santa.
– O que diferencia é a união do grupo, isso favorece muito. O pessoal tem dado todo suporte para a gente desenvolver o melhor dentro de campo. O resultado está aí. Na várzea, o Água Santa ficou acostumado ser campeão, então quem chegou pegou esse espírito – explicou o camisa 10 do Netuno.
Francisco Alex, ex-São Paulo, é o camisa 10 do Água Santa (Foto: Yan Resende)
SONHAR NÃO CUSTA NADA
A reportagem do GloboEsporte.com visitou a antiga sede do Água Santa. Localizada na estreita Rua dos Manacás, ela acabou perdendo espaço para o reformado estádio e foi transformada em um bar pelos torcedores.
O escudo do clube anterior à profissionalização, no entanto, ainda está pintado na parede da frente. No lado de dentro, troféus e quadros antigos – que diariamente são limpos para manterem o brilho – ficam expostos em torno de uma mesa de sinuca. Durante a visita, os frequentadores do local aproveitavam, entre um copo e outro de cerveja, para relembrarem os feitos do passado e sonharem com um futuro promissor.
Ao lado de troféus da várzea e de fotos dos primeiros times da década de 80, a reportagem encontrou também um grupo de torcedores tradicionais do clube. A reunião de amigos foi feita para organizar a última caravana da Série A-2, com destino a Rio Claro – cidade onde o acesso foi concretizado. Alguns minutos foram suficientes para perceber a relação destes torcedores e moradores com o time. A procura por ingressos, mesmo em um jogo fora de casa, era grande. O sorriso de quem vivencia o Água Santa diariamente não cabia no rosto.
Torcedores do Água Santa: da várzea à elite paulista (Foto: EC Água Santa)
Também era dia de treino no Distrital do Inamar. E a neblina e o frio não impediram que Domingos Doia do Nascimento acompanhasse tudo de perto. "Barba", como foi apelidado pelos colegas, é vice-presidente da torcida uniformizada Tubarão Azul, e comparece a todos os jogos. Enquanto assistia ao treinamento, revelou ser audacioso em seus sonhos.
– Eu não imaginava que chegaria à primeira divisão, começamos a pensar nisso quando o profissional se tornou realidade. Nós não éramos nada há dois anos, éramos torcedores de várzea, que invadiam o campo e ficavam tomando cachaça. Agora temos de sonhar. Seremos campeões da primeira divisão e faremos como o São Caetano: disputaremos a Libertadores – projetou o sorridente Barba.
MAIS QUE UM CLUBE
Sede do Água Santa: fotos e troféus da época da várzea em Diadema (Foto: Yan Resende)
Colocar o nome de Diadema na primeira divisão do Campeonato Paulista é motivo de orgulho não só para os moradores. O atacante Rafael Martins, que defende o Água Santa
desde a profissionalização do clube, acredita que o acesso confirmado neste domingo será fundamental para mudar a imagem do município.
Príncipe Harry visitou Diadema durante a Copa e foi presenteado com camisa (Foto: EC Água Santa)
– Estamos colocando a cidade em evidência. Muita gente conhecia Diadema apenas como uma área violenta, mas agora as pessoas sabem que é um local que acolhe também. Diadema se sente mais alegre em ter um time para torcer. Temos o reconhecimento da população, acho que eles tiveram mais alegrias depois que o Água Santa foi profissionalizado – enfatizou o artilheiro do Netuno na competição.
– Aqui é uma comunidade carente, não tem muito entretenimento para o povo. Então este povo realmente abraçou o time. A torcida sempre comparece, mesmo em viagens longas. É fundamental essa identificação que a torcida tem com o clube – reforçou Fábio Shimoda, fisioterapeuta da equipe, mostrando os arredores do estádio localizado no Jardim Inamar.
Durante a Copa do Mundo de 2014, o Príncipe Harry, do Reino Unido, visitou um projeto social em Diadema e foi presenteado com uma camisa especial do Água Santa. O uniforme, com detalhes em verde e amarelo, foi feito em homenagem à seleção brasileira.
VAI VIRAR ARENA?
Adiel Mendes, o "Índio", roupeiro do Água Santa, no acanhado vestiário da equipe (Foto: Yan Resende)
Tímido na maior parte do treino, o roupeiro Adiel Mendes, chamado de "Índio" pelos colegas, fica mais confortável em um lugar peculiar do Distrital do Inamar. Responsável por separar o material esportivo de cada jogador, o funcionário do clube abre um largo sorriso ao mostrar seu trabalho dentro do vestiário. Nas paredes, aponta mensagens de motivação para os jogadores – que foram pregadas pelo presidente Paulo Sirqueira.
– A sensação é de trabalho realizado, tanta gente tentou profissionalizar um time de Diadema anos atrás, e o Água Santa conseguiu fazer isso – disse o tímido Índio, enquanto arrumava as roupas de cada jogador.
A antiga sede do Água Santa fica num bar (Foto: Yan Resende)
Nos próximos meses, no entanto, o roupeiro deve ter uma vida mais tranquila. O acanhado vestiário passará por reformas, assim como o restante do estádio. Com capacidade atual para 6.500 torcedores e arquibancadas em apenas um lado do campo, o campo do Inamar já começa a ser ampliado. A ideia é transformar o local em uma "mini-arena", chegando a receber até 15 mil pessoas para disputar a primeira divisão.
– Há jogos em que muitas pessoas ficam fora, pois cabem apenas 6.500 pessoas no estádio. Mas há um projeto para expandir as arquibancadas. No ano passado, tivemos a sétima melhor média de público estado, atrás dos quatro grandes, Ponte Preta e XV de Piracicaba – explica Márcio Ribeiro, pronto para disputar a elite do futebol paulista.
O clube ganhou a concessão do estádio municipal, e por isso vem bancando toda a ampliação do local. Transformar o acanhado campo de Diadema em uma arena, porém, não deve ser tarefa difícil para um time chegou à primeira divisão em apenas três anos. No Inamar, sonhar não custa nada – ou quase nada.
Estádio de Diadema está sendo ampliado para que o time possa jogar a Série A-1 do Paulistão (Foto: Yan Resende)