Durante o debate, que contou ainda com a participação de especialistas, parlamentares e do presidente do Flamengo, Eduardo Bandeira de Mello, o jogador recém-aposentado Alex levantou duas das principais bandeiras do movimento Bom Senso: a reestruturação do calendário e a participação dos atletas nos conselhos deliberativos. Ele também foi incisivo ao defender a Medida Provisória 671, assinada pela presidência em março e que tramita no Congresso Nacional. Conhecida como MP do Futebol ou Profut, a medida renegocia as dívidas dos clubes com a União em troca de contrapartidas que incluem, entre outras coisas, o rebaixamento de inadimplentes e a obrigatoriedade de medidas de transparência e gestão como limitação de mandatos, participação de atletas nos conselhos e prestações de contas na internet. Além dos times, as regras atingiriam também as federações estaduais e a CBF, o que resultou em uma enxurrada de críticas por parte dos dirigentes, que consideram a MP intervencionista.
Alex representa o Bom Senso F.C em audiência pública nesta quinta-feira: "Não vejo intervenção do governo. As pessoas querem apenas clarear, colocar em forma de lei" (Foto: Alex Ferreira / Câmara dos Deputados)
- Sinceramente, não vejo intervenção. O governo mais uma vez está dando as mãos aos clubes para que possam resolver o problema das dívidas. Se a CBF é uma entidade que não precisa esconder nada, somente coloca no regulamento das competições os critérios. Agora, isso é uma discussão política, que demanda tempo, interesses de vários os lados. Mas olhando como alguém que só quer o bem do futebol, não vejo intervenção do governo. As pessoas apenas querem clarear, colocar em forma de lei, para que não precisemos daqui a 20 dias estar novamente discutindo o problema - afirmou Alex.
O ex-jogador cobrou a participação dos atletas nos conselhos deliberativos e mais transparência nas entidades que administram o futebol. Para ele, há pessoas dentro das organizações que entendem muito pouco sobre a realidade do esporte no país.
- É preciso que tenhamos democracia nas federações, nos clubes, na CBF. Não vejo como ingerência uma entidade como a CBF ser mais democrática. Uma entidade que levanta R$ 500 milhões (valor aproximado de arrecadação da CBF em 2014), e os jogadores, que ajudam a arrecadar esse valor, não têm um voto dentro das federações e da própria CBF. Não participam desses conselhos para discutir o futebol... Chegou o momento de as coisas funcionarem de uma maneira diferente - completou o meia.
Parlamentares, especialistas e representante da CBF debatem MP do futebol e calendário - discrepância de número de jogos em curtos períodos e falta de agenda a outros é questionada (Foto: Alex Ferreira / Câmara dos Deputados)
Pelo lado da CBF, participou do debate o secretário-geral, Walter Feldman. Ele disse que a nova gestão, iniciada com a posse de Marco Polo Del Nero no dia 16 de abril, concorda com medidas de modernização na entidade máxima do futebol brasileiro e nas federações, como a inclusão de atletas nos conselhos. Porém, defendeu que elas sejam aplicadas de forma independente e chamou as contrapartidas exigidas na MP de inconstitucionais.
- Temos balizados fundamentos jurídicos e constitucionais que levam a crer que a MP tem rasgos dramáticos de inconstitucionalidade, que não podem ser admitidos. As mudanças não podem vir com medidas intervencionistas. É no debate, na democracia das instituições (...) O sistema de funcionamento do futebol tem regras e é baseado no código civil. Não pode ser apenas uma vontade de mudar, tem que ter regras. O que não aceitamos é isso, vir através de uma lei, fora da independência e autonomia da organização do futebol. Mas o próprio Marco Polo acha que podemos começar a discutir nos arbitrais com os clubes a participação dos atletas. Ele, pessoalmente, acha que atletas, árbitros e treinadores poderiam dar suas contribuições. O que ele diz é que o mundo mudou, a democracia é mais constante e temos que nos adaptar aos novos tempos.
Feldman citou uma série de medidas já tomadas pela nova gestão da CBF, como a realização do seminário com os técnicos, outro encontro com profissionais da área médica dos clubes e a previsão de um grande congresso para discutir o futebol nacional que será realizado em data ainda não informada. Destacou ainda a criação de um grupo de trabalho para discutir a relação com os jogadores, a instituição de uma área de planejamento estratégico, a contratação de uma consultoria para coordenar o projeto de reestruturação e a adoção de regras de contabilidade e fluxo de processos.
- São 20 dias de gestão. Em qualquer administração, se esperam 100 dias para começarem as críticas ferozes e contumazes. A nós, nenhum dia foi dado. Imediatamente começou o processo de crítica feroz (...). Há um voto de confiança na sociedade democrática, e qualquer governante que se estabelece tem 100 dias para apresentar suas propostas e começar a ter os primeiros resultados. Não se pode dar um voto de confiança com condição. Tem que acreditar em um novo modelo, na administração diferente que estamos dispostos a fazer - afirmou Walter Feldman.
O problema do calendário
Além das questões que envolvem a MP do Futebol, outro ponto de embate entre Bom Senso e CBF foi a questão do calendário. O movimento voltou a questionar a discrepância entre o grande número de jogos em curtos períodos e a falta de agenda para outros.
Para exemplificar a questão o Bom Senso levou para audiência o jogador Pedro Ayub, capitão do Brasília, do Distrito Federal. O time disputou no primeiro semestre o campeonato brasiliense, a Copa do Brasil e a Copa Verde. Porém, sem conseguir o título candango - ficou com o vice-campeonato -, terá como calendário para o segundo semestre apenas a Copa Sul-Americana - vaga conquistada com o título da Copa Verde de 2014 -, onde poderá ser eliminado em dois jogos.
- Nesse primeiro semestre, fizemos 26 jogos em três meses. Quase um a cada três dias. Em alguns casos, tendo que fazer longas viagens como na Copa do Brasil e na Copa Verde. Agora, vamos ter quatro meses praticamente parados. Temos ainda essa situação da Sul-Americana. No DF, ainda são muitos outros atletas em situação difícil. Eram 11 times no campeonato candango, 10 fecharam as portas. Se contar atletas e funcionários, são cerca de 50 pessoas por time desempregadas. E são muitos clubes no país nessa situação. Não têm estrutura e calendário adequado para se adaptar e ter mais condições aos atletas e o pessoal de apoio - afirmou Pedro Ayub.
Questionado sobre a questão do calendário, Walter Feldman admitiu que há problemas. No entanto, ponderou dizendo que a solução não é algo fácil e destacou as melhorias que já foram feitas.
Eduardo Bandeira de Mello, presidente do Fla, participa do debate com Bom Senso F.C (Foto: Alex Ferreira / Câmara dos Deputados)
- Houve um aumento de seis para 13 competições (organizadas pela CBF), o que é algo difícil. Até porque cada competição tem a questão financeira, tem que pagar. Tem o conflito de datas, mas é uma grande mudança. Temos futebol praticamente o ano inteiro. A ideia da pré-temporada está sendo cumprida, o que é um fato também relevante. Há um problema real de uma quantidade considerável de jogadores que ficam sem atividade durante o ano. Como resolver isso? É uma questão complexa, mas vamos enfrentar
Segundo o secretário, a CBF tem a questão da melhoria do calendário como uma de suas prioridades, mas é preciso se estudar com calma as opções para que não sejam feitas mudanças que tornem a situação ainda pior.
- Na minha avaliação, dá para melhorar todo o calendário. Só temos que encontrar uma fórmula que seja melhor que a atual. Porque, quando se muda algo que já está enraizado, tem que saber as mudanças que isso trará em todo o sistema. Envolve muita gente, patrocinadores, torcedores. Às vezes, alguma coisa não se realiza como o esperado e causa um problema ainda maior. A mudança tem que ser cuidadosa. Criamos um grupo de trabalho para resolver as questões com clubes e jogadores, e o calendário é o primeiro item da pauta. Nesse grupo, todas as questões serão trazidas e levadas para um plenário maior para serem tomadas as decisões.
Alex também reconheceu não ser simples a questão do calendário, mas ressaltou que algumas melhorias são bastante viáveis e afirmou: há falta de disposição dos responsáveis pela agenda de mudar.
- Realmente é complexo. Mas há algumas soluções. A CBF tem que fugir desse discurso de complexidade e de se esconder atrás dele. Tem que tentar resolver. Existem situações no Brasil cada vez mais ridículas. Equipes que jogam a Copa do Brasil pensando em perder para ter a Sul-Americana. Existe o caso do Brasília, que tem vaga na Sul-Americana e não joga a Série D. Esse tipo de situação é simples de resolver. O calendário se torna complexo até pela preguiça das pessoas de pensarem e executarem. A dificuldade existe, mas tem solução para isso, e ela passa pelas pessoas que estão na CBF - concluiu o ex-jogador.