Mano Menezes foi jogador e levantou troféu pelo Fluminense. Pode parecer uma informação errada, mas isso realmente ocorreu na década de 1990.
Quem vê hoje o treinador à beira do gramado no Maracanã com a camisa do clube orientando o time, brincando com torcedores atrás do banco de reservas e questionando a arbitragem, talvez não saiba que o hoje treinador tricolor foi zagueiro, daquele estilo xerifão, do Fluminense de Mato Leitão, um time amador no interior do Rio Grande do Sul.
A história é de três décadas atrás. E pouco conhecida. Mas o passado e o presente de Mano Menezes estão diretamente ligados ao Fluminense do Rio e de Mato Leitão, distante cerca de 140 quilômetros de Porto Alegre.
- Lá em Venâncio Aires, cidade do Rio Grande do Sul, existia o Campeonato Municipal de Futebol Amador, que era muito forte. E Mato Leitão, que já era um município, ainda jogava esse torneio. O Mano começou a jogar no Fluminense de Mato Leitão um pouco antes de 1993. Ele atuou pelo clube até mais ou menos 1996.
As declarações acima são memórias de Fernando Becker, repórter da RBS TV, afiliada da Globo, que jogou futebol amador com Mano Menezes no Fluminense de Mato Leitão antes de trilhar carreira no jornalismo. Entre as histórias que carrega no futebol, Beckão, como é chamado por amigos e por Mano, guarda memórias do período em que compartilhava o gramado com o hoje treinador do Flu.
- Quando a gente jogava, o Fluminense de Mato Leitão, naquela época, foi muito campeão. Nós fomos campeões da Taça dos Campeões e campeões municipais. Nós fomos três vezes campeões municipais e duas ou três vezes campeões da Taça dos Campeões. E, cada vez que a gente levava um título, o uniforme ia para casa. A gente pegava um uniforme, era nosso. E aí, a cada ano, o clube tinha que comprar um uniforme novo. Teve uma vez que eles compraram um uniforme que era igual ao do Fluminense do Rio. Eles foram na loja e compraram um uniforme do Fluminense do Rio.
O Fluminense de Mato Leitão
O uniforme é o mesmo. As cores são as mesmas. E até mesmo o escudo. Mas qual é a ligação do Fluminense de Mato Leitão com o Fluminense de Mano Menezes?
Para entender, é preciso voltar à década de 1950, como recorda Luis Carlos Reis ou "Lui" como é conhecido na região um dos responsáveis por organizar o futebol amador em Mato Leitão.
- O Fluminense de Mato Leitão foi inaugurado em 1954, por Otto Aluísio Kocchann e Irineu Hinterholz. Ele surgiu por causa do Fluminense do Rio. O pai do Irineu viajava muito para São Paulo e Rio. E ele gostou muito do fardamento. Naquela época, não tinha televisão aqui. Na época, nos arredores, chegaram a abrir um time em homenagem ao Flamengo uns seis anos após, que depois não foi para frente. Mas o Fluminense de Mato Leitão segue até hoje.
Início da carreira de treinador
O início da carreira de Mano Menezes como treinador ocorreu quase no mesmo período em que ele defendia o Fluminense de Mato Leitão no amador. No início da década de 1990, enquanto disputava os torneios amadores da região, Mano dava os primeiros passos na carreira que o levaria até a Seleção.
- O Mano Menezes era preparador físico do sub-20 do Guarani de Venâncio Aires e disputava os campeonatos de futebol amador. De 1992 para 1993, recebeu a oportunidade de comandar as categorias de base. Um dos incentivadores foi o Delmar, que é pai do ex-goleiro André Döring, que fez carreira no Internacional - recorda Beckão.
André Döring foi um goleiro que surgiu no Internacional na década de 1990 e passou também por clubes como o Cruzeiro e o Juventude. Na carreira profissional, ele conquistou títulos como o Campeonato Gaúcho, o Mineiro, a Copa do Brasil e a Recopa Sul-Americana. Assim como Mano Menezes, André também defendeu o Fluminense de Mato Leitão.
- Eu estava na base do Inter. Quando não batia data de competição, eu jogava no amador, que foi uma baita escola. Foi muito bom. E eu joguei com o Mano, no Fluminense, e no Cruzeiro, que era outro time da região. Ele jogava como volante, depois de zagueiro. O Mano sempre teve um porte físico, um porte atlético. Tinha bom passe, uma bola aérea muito boa. E ele se impunha, né? Um bom zagueiro. E um bom primeiro volante de marcação - diz André Döring.
Características herdadas do futebol amador
Quem conviveu com Mano Menezes naquela época consegue enxergar muitas características no estilo empregado pelo treinador de montar defesas sólidas. Na época do futebol amador, Mano Menezes era visto como um "xerifão" na zaga. Foi com essa postura que ele depois pulou para o profissional do Guarani, foi chamado pelo Internacional e não parou mais.
- Ele chamava a atenção pelo posicionamento, pelas tomadas de decisões, algumas movimentações táticas e com a bola nos pés. Ele não era um zagueiro dos mais vistosos, mas tinha qualidade técnica. E ele era xerifão. Xerifão mesmo, ele colocava respeito na defesa e os atacantes não se criavam - lembra Fernando Becker.
- Ele era o cara que comandava o sistema defensivo. Naquela época, ele tinha uma voz ativa muito forte e enxergava o jogo muito bem. Quando veio de volante para zagueiro, ele ampliou o campo de visão dele. O Mano assumia essa função de coordenar o time dentro de campo - André Döring.
Era "pelo amor ao futebol"
O futebol amador está enraizado na cultura das cidades de Venâncio Aires, Mato Leitão e região. Era levado a sério na época de Mano Menezes por ser um atrativo para as cidades do Rio Grande do Sul. Mas também era uma diversão garantida para quem participava das competições. Alguns jogadores recebiam auxílios. Outros, como Mano, jogavam por amor ao futebol.
- A gente jogava por prazer, jogava pela amizade. Eu, no caso, morava em Porto Alegre e tinha que viajar todo fim de semana para Venâncio, o clube me ajudava a pagar as passagens. Na época eu ganhava R$ 50 para as passagens de ida e volta, hoje isso daria em torno de R$ 100, R$ 200 por jogo. O Mano não ganhava nada, só o prazer de estar com os amigos. Depois do jogo rolava aquela cervejada, rolava churrasquinho, pastel, aquela resenha maravilhosa - Fernando Becker.
- Alguns jogadores que recebiam por partida mesmo no futebol amador. Mas a nossa turma ali, o que o que fazia diferença mesmo era a parceria que a gente tinha pós-jogo. Reunia todo mundo e tomava uma cerveja, fazia um churrasco. Alguns até recebiam, mas a maioria estava ali pela parceria e pelo pelo amor ao futebol - diz André Döring.
Time segue vivo e "paga bem"
O futebol amador em Mato Leitão evoluiu e segue ativo, assim como o Fluminense da região. Os jogos movimentam a cidade, são atrativos e geram renda na localidade. Alguns jogadores chegam a receber valores acima de R$ 1 mil por partida em times que participam das competições. O empresário Luis Carlos Reis, o Lui, é um dos responsáveis por algumas competições e por cuidar do Fluminense.
- Na real, quem puxa o Fluminense de Mato Leitão hoje somos eu e alguns empresários. Eu fiz os três últimos campeonatos regionais que nós disputamos. Eu faço rifas para ajudar. Nos últimos, eu fiz 200 números a R$ 300. Eu vendia tudo, aí antes de o campeonato começar, eu já tinha R$ 50 mil, R$ 60 mil em caixa para fazer o campeonato.
Fluminense, do Rio, por carinho ao Mano
Torcedor do Grêmio, Luis Carlos Reis tem relação forte com o Fluminense graças ao time de Mato Leitão. Foi lá que ele viveu inúmeras histórias e passou o amor ao futebol para a família, assim como aprendeu com o seu. Com Mano Menezes no futebol do Rio, porém, Lui agora também está mais identificado com o Fluminense, o mesmo que deu origem ao time que fez parte de toda sua vida.