Demitido em dezembro, e contratado pouco depois pelo novo clube, Roberto Carlos falou aoGloboEsporte.com das diferença de formação de técnico no Brasil e na Europa. Ele contou que teve dificuldade de ser aceito na Turquia, que nem está na elite do futebol europeu, por ter concluído um curso no Peru, que serve como "licença A" na escala da Uefa.
No meio do ano, o pentacampeão pretende concluir os estudos para ter a "licença Pro", considerado nível mais alto de formação para um técnico no mercado europeu. Para ele, a baixa exigência dificulta a entrada de profissionais brasileiros no Velho Continente.
– Poderia ser mais profissional esse lado do treinador. Um curso mínimo tornaria mais fácil a vinda para cá. Aqui, exigem a licença Pro, vem depois da B e da A. No Brasil, o cara deixa de ser jogador e já vira treinador – comparou o ex-lateral.
Roberto Carlos deixou o Sivasspor no fim do ano passado e, sábado, estreará pelo Akhisar Belediyespor (Foto: Getty)
Em uma rápida entrevista por telefone, ele também fez elogios ao início de Dunga na Seleção, disse que o Bayern de Munique, treinado por Guardiola, é a equipe que mais o impressiona, e disse o que o Corinthians deve fazer para não repetir, contra o Once Caldas, a eliminação para o Tolima na primeira fase da Libertadores de 2011, quando Roberto Carlos estava no grupo.
Tudo pronto para a estreia, Roberto?
Está tudo certinho. Contratamos alguns jogadores, eu já conheço bem o estilo do futebol daqui, isso me ajuda a aprender mais rápido.
Contrataram brasileiros?
Eu contratei o Luan, que jogava no Gil Vicente. Brasileiro só tem ele. Contratei dois portugueses também: o Ricardo Vaz Tê, que era do West Ham, e o Custódio, que estava no Braga e já jogou pela seleção. Temos um time bom para pensar na Liga Europa.
Quando você diz que contratou é porque assumiu na função de manager? Você contrata?
Passo o nome para os dirigentes e eles contratam. O presidente é um homem muito educado, sabe muito bem do que o time precisa. Esse início tem sido ótimo.
Você trabalha numa liga amplamente dominada por dois times, no máximo três. Como é entrar no campeonato sem o objetivo de ser campeão? O que você pretende?
No ano passado, com o Sivasspor, consegui a quinta colocação com uma filosofia mais moderna de treinamentos e jogo. É muito difícil ser campeão aqui, ganhar dos caras (Fenerbahçe e Galatasaray). Acredito que com mais dois ou três jogadores de bom nível, poderíamos ter sido campeões. Eles trazem sempre os melhores.
Você disse que usa uma "filosofia mais moderna". Essa consciência de que é impossível brigar pelo título permite a você ousar mais, apostar em inovações?
Claro. Eles contratam jogadores de dois, três milhões. Nós podemos gastar 500, 600 mil. Nisso, coloco minha filosofia, meu ritmo, e consegue-se um bom trabalho.
E o que é essa filosofia mais moderna de treinamentos?
Hoje em dia é controle e passe. São trabalhos curtos, em campo reduzido, obrigações com e sem a bola. A parte física ajuda muito. Não é inventar história, fazemos o básico com um pouco de modernidade.
Roberto Carlos é adepto de uma filosofia mais moderna de jogo (Foto: Divulgação)
Os mais atualizados dizem que são trabalhos mais curtos e intensos.
Exatamente. Antes, os trabalhos duravam uma hora e meia, uma hora e 45 minutos. Hoje são atividades de uma hora e dez, uma hora e quinze. Hoje se faz no treino o que é o jogo. Não há tantos treinamentos táticos, os coletivos são de área a área, só com dois ou três toques na bola. Obriga os jogadores a pensarem mais rápido.
Você não sente o mercado europeu fechado aos treinadores brasileiros?
São clubes diferentes para trabalhar. O treinador argentino (Tata Martino) teve dificuldade para impor seu sistema de jogo no Barcelona. No meu caso, por eu conhecer bem o futebol turco, pego um pouco de cada lugar e trago para cá. Lançar uma coisa nova no futebol turco impressiona um pouco. E eu ainda penso como jogador, sei o que querem, do que precisam.
Roberto Carlos foi eleito melhor técnico da Turquia na última temporada. Ao lado dele, Cicinho, escolhido melhor lateral-direito (Foto: Divulgação)
Mas os técnicos brasileiros não conseguem empregos em grandes clubes europeus. Os jogadores brilham em grandes times há muitos anos, mas os técnicos não. Você não acha que a falta de formação do treinador brasileiro prejudica?
Eu acho que sim, isso poderia ser mais profissional. Para de jogar, faz um curso mínimo em que possa aprender, pensar como treinador. Seria mais fácil vir para cá. A Uefa exige a licença Pro, vem depois da B e da A. No Brasil, o cara deixa de ser jogador e já vira treinador.
Você já tirou sua licença Pro?
Fiz um curso no Peru que serve como licença A, mas na Turquia tive dificuldade para aceitarem isso. Estou inscrito no curso da licença Pro. Assim que acabar a temporada vou concluir.
Recentemente, você disse que vive futebol 24 horas por dia, e não fazia isso quando era jogador. O que isso significa, na prática?
Antes eu treinava e ia pra casa. Hoje, assisto a mais jogos, vejo todos os campeonatos, converso com pessoas, treinadores. Os campeonatos que mais vejo são o espanhol, o inglês e o alemão. Mas vejo o chinês, japonês, dos Emirados, do Irã...
E que equipe mais o impressiona atualmente?
Normalmente, falaria Real Madrid ou Barcelona. Ou Manchester. Mas gosto muito do Bayern de Munique. O Guardiola mudou aquela coisa do jogador alemão robotizado. O Bayern tem, claro, a parte tática, mas com a bola faz o que o Barcelona fazia no Espanhol: toque de bola, movimentação, recomposição. O Guardiola é um dos melhores do mundo.
Não acha que o jogador alemão já deixou de ser robotizado há algum tempo? O título mundial em 2014 não prova isso?
É um processo que começou antes. Passou pelo Jupp Heynckes (antecessor de Guardiola no Bayern), tem a participação do Joachim Löw (técnico da seleção alemã). Eles levaram um pouco de cada campeonato de outros países para a Alemanha.
O futebol brasileiro precisa passar por uma transformação semelhante ao alemão?
Acho que não. Precisamos voltar a ter vontade de vencer e não nos sentirmos favoritos em qualquer competição. Temos que dar um passinho atrás nessa história de que somos os melhores. Hoje o futebol é muito igual. Se conseguirmos nos igualar na parte tática, seremos melhores na parte técnica. Assim, poderemos evoluir.
Não o incomoda ouvir de dirigentes, mesmo depois do 7 a 1, que o Brasil tem o melhor futebol?
Incomoda um pouco. O problema é que o fato de ser o único com cinco títulos mundiais nos dá o direito de dizer que somos os melhores, mas isso se demonstra no campo. O Dunga está procurando reorganizar, mostrar ao mundo que vamos evoluir de novo. Os dirigentes têm que dizer que somos os melhores, mas dentro do vestiário a conversa é outra.
E você gosta deste início do Dunga na Seleção?
Muito bom. Ele está escolhendo os melhores para cada posição, uma mescla de jogadores que já conseguiram algo na carreira e outros que querem conseguir.
Em 2011, você estava no Corinthians que foi eliminado pelo Tolima. Que erro a equipe não pode repetir agora para passar pelo Once Caldas?
Esse tipo de situação sempre serve de experiência. O Corinthians já ganhou a Libertadores, o Mundial, isso não vai se repetir. Para mim, foi uma experiência muito ruim, mas servirá para o Corinthians se concentrar mais, se motivar mais. Normalmente, essas primeiras fases são até mais complicadas do que uma final. A obrigação de ganhar é enorme.