Bem diferente de como muitos pensam, organização nem de longe precisa estar associada a times jogando todos da mesma forma -mecânica e previsível -, inibição da criatividade dos atletas, ou jogos que todos preveem o andamento.
Por Humberto Peron, Globoesporte.com — São Paulo - 22/08/2019 15h32 Atualizado há uma hora - Danilo Sardinha/GloboEsporte.com
Infelizmente, a maioria dos jogos do nosso futebol está enfadonha e extremamente igual, independentemente das equipes que estão em campo.
O roteiro é mais o menos o seguinte: um time – geralmente o mandante – começa atacando, no início marcando a saída de bola do adversário. Depois de uns 10 minutos, sem conseguir manter o ritmo, a equipe que tomou a iniciativa continua com a posse de bola, trocando inúmeros passes laterais, enquanto o adversário se fecha com 8 ou 9 jogadores no seu campo e tenta a famosa “uma bola” para, em contra-ataque, marcar um gol.
A partida vai ficar assim, até que alguém marque um gol, que sai invariavelmente em uma jogada de bola parada. Se o time que atacava saiu na frente, ele vai recuar e deixar o adversário atacar. Caso contrário, se a equipe que estava na defesa achar o tento, ela vai recuar mais ainda.
Os inúmeros jogos com essa mesma mecânica e monótonos surgem pela razão de nossos times, com aras exceções, jogam da mesma forma: com quatro beques, dois volantes, três meias (um pela direita, um pelo centro e outro pela esquerda) e apenas um atacante. E, quando se tenta algo diferente, há aqueles que ficam espantados com a “desorganização” das equipes.
A tal visão de “organização” que muitos têm está acabando com o nosso futebol.
Já temos uma geração de atletas que não sabem tomar uma decisão por conta própria dentro do campo. Eles seguem, como robôs programados, tudo o que os treinadores pediram. Começam em uma faixa do gramado e só mudam de lugar quando o técnico manda.
Não são capazes mais de perceber como está o andamento da partida, para, sem o técnico pedir, trocar da posição com um companheiro ou se posicionar em uma área onde seria possível encontrar espaço para render mais. Não é possível ter tantos jogadores talentosos jogando fixos pelo lado do campo e tendo como função principal marcar o lateral do adversário.
Hoje, se torna uma contravenção um jogador fazer algo diferente em uma cobrança de falta, por exemplo. Para qualquer infração há uma jogada preparada que precisa ser acionada, assim, já não temos mais batedores de faltas de forma direta, como sempre tivemos.
O que se deve ser chamado de organização de um time vai muito além do que ele estar com suas linhas próximas. É importante um time bem distribuído em campo, mas também é fundamental que ele tenha movimentações constantes, algumas que surpreendam o adversário.
Não vemos mais os nossos volantes (cair por nenhuma lateral, para fazer uma jogada de linha de fundo; nem os zagueiros dificilmente aparecem como elemento-surpresa no campo de ataque e muito menos os jogadores da tal “linha de três” se aproximando – ou mudando de posições – para fazer uma tabela.
Não há um centroavante que saia da área para abrir espaço e fazer uma tabela, que se desloque para fazer uma jogada pelos lados.
Até os laterais, que durante muito tempo foram uma arma importante dos nossos times, basicamente voltaram a jogar apenas como marcadores dos tais externos, ou especialistas em arremessos longos com os braços. Não há lateral que apoia com constância, que chegue à linha de fundo, ou penetre pela diagonal furando a defesa adversária.
É incrível que, nesse momento, em que os jogadores se encontram tão bem preparados fisicamente, eles correm muito, mas sempre fazendo as mesmas coisas.
Sem organização no futebol é difícil ter sucesso. Mas, como todos os grandes times da história mostraram, ter uma forma de jogar não significa ser um time monótono que sempre faz a mesma coisa. A boa distribuição em campo tem de criar meios para que o improviso aconteça sempre e muitas vezes nos 90 minutos.
Do que adianta ter as linhas bem definidas como em um jogo de pebolim (totó, fla-flu...), ou em uma prancheta magnética, se ninguém sabe o que fazer quando tem a posse de bola e a missão de bater um sistema defensivo. E alguns, para manter o tal balanço tático, preferem até que o adversário fique o máximo de tempo com a posse de bola.
A graça do futebol sempre esteve no inesperado e não no padrão de um posicionamento estático dos jogadores e apenas nas repetições de jogadas preestabelecidas e inúteis. Não vamos esquecer que não há receitas únicas e precisas de como se armar um time.
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