Pneumologista Eduardo Meyer esclarece ao blog relação entre o esporte e a pandemia
Médico alerta sobre perigos do coronavírus no esporte
O novo coronavírus faz parte do nosso dia-a-dia, com impactos, inclusive, no comportamento dos atletas profissionais e dos amadores. Muitas perguntas circulam, e postagens irresponsáveis e notícias falsas em redes sociais provocam desinformação e atitudes equivocadas. Atletas têm maior resistência? O cloro das piscinas mata o vírus? É seguro treinar ao ar livre e na praia? Como devo comemorar um ponto com meu parceiro de dupla?
Essas e outras perguntas foram respondidas pelo pneumologista Eduardo Corrêa Meyer. Formado pela USP, especialista em Terapia Intensiva com doutorado em Pneumologia pela FMUSP e pós-doutorado pela Northwestern University, de Chicago, ele atua no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.
Papo Cabeça: Entre as medidas tomadas para a contenção do novo coronavírus está a interrupção de competições esportivas profissionais. O risco de transmissão para o atleta é igual ao risco que tem um torcedor que vai ao estádio?
Eduardo Meyer: Esse vírus tem se mostrado altamente infectante e com grande capacidade de disseminação. Ainda não se sabe ao certo, mas há dados para dizer que um infectado transmite a doença para duas a quatro pessoas. O risco de contaminação aumenta com o número de pessoas com as quais você encontra. Quanto mais exposição, maior a chance de contrair a doença. Daí que vem o conceito adotado pelos países de que, ficando em casa, você terá muito menos chance de se contaminar ou transmitir a doença. Um atleta numa partida de futebol, por exemplo, encontra-se exposto a um número muito menor de pessoas (os 21 outros jogadores, os reservas, árbitros, repórteres, outros funcionários de campo) do que um torcedor de uma arquibancada lotada, por exemplo. A densidade de torcedores por metro quadrado é alta e eles estão todos agrupados e gritando, eliminando gotículas da respiração no ar ou no rosto do torcedor vizinho. Portanto, a chance de um torcedor adquirir a doença no estádio é muito maior do que a do atleta. Outro fator importante: os atletas em campo não estão doentes, caso contrário, eles não estariam jogando. Porém, é fato de que em jovens sadios é muito comum que a infecção causada pelo novo coronavírus seja muito pouco sintomática. Portanto, não é impossível termos um atleta em boas condições físicas, mas infectado, transmitindo a doença aos outros atletas.
Os atletas profissionais ou amadores de alto rendimento estariam mais protegidos por, teoricamente, gozarem de uma condição física melhor?
A nossa defesa contra as doenças respiratórias depende de vários fatores que, agrupados, compõem o que chamamos de imunidade. Dentre estes fatores estão: alimentação balanceada, sono de boa qualidade e condicionamento físico, que em tese favorecem os atletas profissionais. Outro fator é a ausência de doenças pulmonares e das vias aéreas, o que também favorece atletas profissionais. Essas condições que favorecem os profissionais também estão presentes no atleta amador.
Coronavírus tem impacto também no esporte — Foto: Reuters
Muitos atletas de alto rendimento não podem parar de treinar. Nesses casos, o que é mais indicado para cada caso? Por exemplo: esportes coletivos ou em duplas, como lidam com os treinamentos? Quem treina num ginásio fechado está mais exposto do que quem treina ou joga ao ar livre?
Os atletas de alto rendimento que estão programados para o calendário anual de competições não vão parar de treinar, mas podem adotar alguns cuidados para tornar o seu treinamento mais seguro. Ao treinar em grupo é importante que qualquer um do grupo que se sinta doente, por menor que seja o sintoma, se isole do grupo e treine separadamente, evitando tocar os outros atletas. O mesmo ocorre com uma dupla. Deve haver um discernimento do atleta que sinta que a sua condição de saúde está anormal e evite o contato com sua dupla. Treinamentos ao ar livre, desde que não sejam em ambientes com poluição atmosférica, são muito seguros. Os ginásios, desde que tenham um sistema de ventilação adequado, também são ambientes seguros para a prática de esportes, tanto é verdade que em cidades da China com altos índices de poluição atmosférica o esporte nas escolas é praticado apenas em ginásios, por se considerar que estes são mais seguros.
No caso dos esportes aquáticos circulam algumas mensagens em redes sociais afirmando que o cloro utilizado nas piscinas mata o vírus. Isso é verdade? Esses atletas devem deixar de treinar em piscina de clubes? Podem treinar individualmente numa piscina de condomínio, por exemplo?
As piscinas com cloro matam a grande maioria dos germes que caem na água, mas não todos. Alguns germes causadores de diarreia, como o criptosporidium, sobrevivem ao cloro. As piscinas com manutenção adequada matam o novo coronavírus, mas você passa pelo vestiário antes de chegar à piscina e lá pode contrair um vírus que se transmita pelo contato, como é o caso do novo coronavírus. Neste momento de isolamento social, os clubes fecham para bloquear a transmissão de pessoa a pessoa. As piscinas dos condomínios, desde que tenham manutenção adequada, podem se tornar um local de treino.
Estamos no verão em um país tropical. Os esportes de praia ou de areia devem ser interrompidos? Surfe? Beach vôlei, futevôlei, beach tênis? Aquela corridinha no calçadão expõe algum risco?
O calor das praias e o ar livre impedem a sobrevivência do vírus nas superfícies de contato. Praticar esportes de praia é uma atividade segura, porém, os atletas não podem relaxar na higiene das mãos. Eu me atreveria a dizer que as atividades mencionadas acima são muito seguras para serem praticadas no que se refere ao risco de contrair a doença COVID-19.
Os esportes de contato e as lutas oferecem risco maior de contágio?
Os esportes de contato são aqueles em que a proximidade do atleta com o adversário faz com que haja intensa troca de germes presentes nas gotículas da respiração, saliva e pele. Portanto, se um dos atletas estiver contaminado com o Novo Coronavírus, ele o transmitirá ao seu adversário.
As comemorações tradicionais, abraço, tapinha nas mãos, esse tipo de comportamento expõe a mais riscos?
Essas comemorações fazem parte da nossa cultura esportiva. Há o conceito de que quem está praticando esporte está saudável e não irá oferecer risco aos seus pares. Este novo coronavírus trouxe uma particularidade ao cenário das doenças transmissíveis, ele é muito transmitido, mesmo pelos pouco sintomáticos. Há relato de transmissão em quem ainda não tem sintoma nenhum. Eu diria que é inevitável que estas comemorações continuem a ocorrer, e a grande maioria delas não trará prejuízo algum aos atletas. Mas como o mundo do esporte é muito criativo, eu não me surpreenderia se novas comemorações sem contato físico surjam nesta Olimpíada e se tornem mais e mais comuns.