Foi em um campo de várzea de uma cidade no interior de São Paulo que nasceu o sonho da zagueira Lauren Leal. Ainda pequena, com apenas 10 anos, jogando em um campo onde a grama chegava quase no seu joelho, a atleta começou a dar seus primeiros passos em direção ao seu maior objetivo: ser uma jogadora profissional de futebol.
O início da paixão de Lauren pelo futebol aconteceu no Parque Jataí, um bairro de Votorantim, a cerca de 100 quilômetros de distância de São Paulo, onde ela costumava jogar bola com quem estivesse lá, sejam meninas ou meninos.
Zagueira Lauren Leal mostrando suas habilidades com a bola — Foto: Bárbara Bruno
Cerca de dez anos depois, ela não só conseguiu construir uma carreira de sucesso no futebol feminino, como também, na última terça-feira, foi convocada pela técnica Pia Sundhage para defender o Brasil na Copa do Mundo Feminina de 2023 com apenas 20 anos. Uma das 10 estreantes da convocação, ela é a mais jovem da lista, sendo a única abaixo dos 21 anos.
Prestes a estrear como uma jogadora da seleção brasileira principal na competição que qualquer atleta sonha em participar, Lauren descreveu a sensação de ser convocada.
– Naquela hora passou o filme todo, a história completa desde quando eu comecei, tudo que eu passei para chegar no maior objetivo. O sonho de qualquer jogador, de qualquer atleta, é disputar uma Copa do Mundo, é representar o seu país no topo. A Copa do Mundo é o topo do futebol mundial. Estou muito feliz por isso e naquele momento só passa na cabeça que deu certo. Acho que só vai cair principalmente quando a gente realmente tiver lá na Austrália – disse a zagueira.
Zagueira autografando camisa de torcedores de Votorantim — Foto: Bárbara Bruno
A convocação da jovem veio quase um ano após ela participar da campanha histórica da Seleção no Mundial sub-20. Na época com 19 anos, Lauren atuou em todos os jogos da competição e ajudou o Brasil a chegar a uma semifinal 16 anos depois.
Lauren descreveu como a rápida escalada da base para o profissional.
– Às vezes é até difícil assimilar algumas coisas. O que eu vivi nos últimos dois anos principalmente. Depois de uma temporada, duas temporadas aqui no profissional, no Brasil, saí do país, voltar a ser convocada. Jogar o sub-20, jogar a Copa sub-20 e depois de um ano estar na Copa principal e fazer uma grande parte desse ciclo. Não estando em todas as convocações, mas estando em 50%. Foi tudo muito rápido, às vezes é até difícil assimilar. E aí, nessa parte de assimilar a gente fez por conta da ficha caindo – disse Lauren.
Lauren Leal no primeiro campo em que jogou bola, em Votorantim (SP) — Foto: Bárbara Bruno
A pouco mais de 15 dias para a estreia da Copa do Mundo, a zagueira ressaltou a expectativa para a competição e analisou os adversários do Brasil no Grupo F (França, Jamaica e Panamá).
– Não é fácil. Copa do Mundo nenhum jogo é fácil, mas você pode ter um caminho um pouco mais tranquilo. Mas sobre os adversários, é Copa do Mundo, não tem jogo fácil. É claro que no grupo F, a França talvez seja o adversário mais difícil, mas os outros dois também tem um nível de dificuldade de uma Copa. A gente comentou sobre a última data, que foram dois jogos muito difíceis, mas foram dois jogos muito bons para o Brasil. Eu acho que ali foi uma mudança de chave em que a gente mostrou tanto para os outros times e até mesmo para a gente que é possível. E hoje o Brasil vai pra Copa do Mundo para buscar o título, uma estrelinha na camisa, a primeira – comentou Lauren, esperançosa.
Lauren Leal, com 13 anos de idade, ao lado de Marta — Foto: Arquivo pessoal
Onde tudo começou
Antes de começar a treinar nas categorias de base do São Paulo, em 2017, Lauren jogava em Votorantim e se recordou dos primeiros passos dela no mundo do futebol.
– Aqui foi onde eu comecei, mas ele (o gramado) não era assim não. Antes a grama, o mato, era um pouquinho maior. O campo também era maior. Mas aqui tinha uma escolinha, um projeto, onde o treinador dava treino para quem viesse: menino, menina, enfim, quem estivesse aqui treinava e era legal. Eu não me lembro muito bem, acho que era terça e quinta. Aqui eu vinha, às vezes eu ficava na minha vó esperando alguém vir me buscar, sempre tinha gente jogando aqui e eu vinha jogar também. É um campo que representa muito da minha história – contou Lauren.
Lauren Leal, com 10 anos, jogando em Votorantim — Foto: Arquivo Pessoal
Em seu início como atleta, Lauren e os familiares tiveram que se desdobrar para ir e voltar de São Paulo para ela treinar na base do Tricolor, time onde começou em 2017 e atuou também pelo profissional até 2021. Além do time paulista, Lauren defendeu o Centro Olímpico e Madrid CFF, clube pelo o qual passou três temporadas e balançou as redes duas vezes.
Atualmente, Lauren está sem time. Ela se despediu do clube da Espanha há um mês e disse que “chegou a hora de viver novas experiências e trilhar novos caminhos na carreira”.
Apoio familiar
Com uma rotina às vezes cansativa mas satisfatória, a zagueira ressaltou o quanto o apoio dos pais foi importante para ela conseguir alcançar seus sonhos, principalmente no futebol feminino, área de muito preconceito e machismo até os dias de hoje.
– Hoje é diferente o cenário de quando eu tinha dez anos. Mas eles nunca deixaram de me apoiar por isso. Naquela época não passava tanto na TV, não era tão comum assim, apesar de estar sempre na história, sempre existiu mulheres jogando, elas foram proibidas por um tempo, mas sempre existiu. Mas eles sempre me apoiaram. Eles vinham aqui, me traziam, me levavam. Meu pai fez a maior correria durante cinco anos para poder me levar jogar em São Paulo também. Então eles sempre me apoiaram com unhas e dentes, em tudo que eu me propus a fazer, não só eu, como minha irmã também.
– Meu pai sempre me acompanha. Minha família sempre que pode, mas ele faz de tudo para estar junto. Estava na Costa Rica, foi pro Uruguai, foi para o Paraguai, para Argentina, vai pra todos os lugares já para me acompanhar. E dessa vez não vai ser diferente, só que dessa vez é um pouquinho mais longe. Uma viagem um pouquinho mais longe, mas também acredito que para ele é uma alegria muito grande de saber que eu estou lá e poder estar lá também – contou Lauren.
Lauren Leal e seu pai, Erymar Alexandre — Foto: Bárbara Bruno
Para o pai coruja e fã número 1 da atleta, ao disputar uma Copa do Mundo, Lauren não está realizando um sonho só dela, e sim dele também, que já quis ser jogador de futebol.
– É um orgulho indescritível. O futebol em si não pode ser direcionado, é um esporte. Então, tanto mulher quanto homem podem jogar futebol e devem jogar. Então, vê-la numa Copa do Mundo, talvez quando me perguntam assim, "qual o sentimento?" é difícil explicar. Toda vez que me perguntam isso, eu muitas vezes eu caio no choro, porque eu me recordo toda a trajetória.
– E vendo ela passar por tudo isso, porque como todo menino, todo garoto teve o sonho de jogar futebol e comigo não foi diferente. Talvez ela esteja realizando o meu sonho. Então, além do sonho da família, seja o meu sonho de ter sido um jogador de futebol. A voz fica embargada, o coração fica sem palavras, a vontade é de chorar. É difícil para mim falar isso, é difícil sempre expor isso, por mais que nós temos muita felicidade, muito orgulho e eu aqui representando minha família, todas aquelas pessoas que fizeram parte disso e foi muita gente que fez parte disso – disse Erymar Alexandre, pai de Lauren.
A estreia do Brasil na Copa do Mundo é contra o Panamá no dia 24 de julho, às 8h (horário de Brasília), no estádio Hindmarsh.
* Colaborou sob supervisão de Arcílio Neto.